sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Pedro Proença [n. 17 de Setembro de 1962]

INTITULADOS TÍTULOS - ISBN: 978-972-37-1426-5


«Perdoe-me desde já o benévolo leitor a ousadia da incursão de um soi-disant modesto artista no domínio celerado e rigoroso das cousas typographicas. Aminha relativa aversão, ou mesmo irritação, ao que hoje se chama, em mercantil anglicismo, design gráfico, sempre se deveu ao rigor das ferramentas, ao lado insonso dos “tipos”, à trabalhosa relação com as “gráficas”, às partidas que me pregaram nas impressões e no tratamento das imagens, aos desaparecimentos de originais e outros assuntos que não me acodem por ora. No entanto, sempre gostei de máquinas de escrever, da composição manual dos tipos, das caligrafias rebuscadas, dos livros iluminados e dos acidentes que o tempo faz nos manuscritos: manchas, carimbos, anotações, rasgões e outras desordens que por vezes perturbam a legibilidade. Cada vez mais acho que o livro, objecto de devoção algo moribundo (embora nobre e honroso!), deve ser encarado como um caderno, e que a função recriativa do leitor é a de rabiscar, contrapor, achincalhar, precisar, obscurecer, iluminar, “traduzir”, sublinhar, acrescentar, cortar, apagar, etc. Estas atitudes de remontagem terão as suas virtudes se não vierem no sentido de empobrecimento e espartilhamento de texto. Não tenho a pretensão de desautorizar o que é do autor, ou de celebrar alternativamente a recensão comezinha e as batalhas recepcionistas dos estafados exegetas ou hermeneutas. No fundo, acho simpática a ideia de que só o leitor que não é passivo é que é significativo (vai-se tornando o seu autor!), mesmo que a significação seja uma floresta de equívocos. Tento não acentuar em demasia a ideia de que são os “vedores que fazem a pintura”, se bem que a cozinhem e estufem superficialmente nos meandros da consciência — mas as imagens também exercem os seus poderes sobre os corpos, bombardeando-os com diversas afecções a que não conseguimos ser insensíveis.»

Parabéns, Pedro.

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