quarta-feira, 13 de outubro de 2010

«Os poetas, os mágicos, os malucos»

«Pascoaes dá conta da exclusão do poeta, na medida em que este, mágico da palavra, penetra o futuro e perturba a consciência estática, no caso de poder haver uma consciência deste tipo. A função principal do poeta reside na sua capacidade de transformar o presente, de pôr em evidência o sentido oculto das coisas, dizendo a palavra ainda incerta do futuro com a certeza do homem que não pode ser retido pela fragmentação do quotidiano. Podia pensar-se que a atenção prestada ao residual reduzia a sensibilidade do poeta, e por consequência a sua capacidade de pre-visão: na realidade, verificamos que se o poeta pode efectivamente pre-vêr, é por ser o único capaz de "ler" e "ver" os pequenos incidentes que fornecem as indicações úteis para definir a orientação geral dos homens. O poeta antecede o homem, e antecipa-se no devir.»

In Memoriam de Alfredo Margarido [1928-2010]

In «Introdução» [pp. VII-LVIII], O Bailado, de Teixeira de Pascoaes, Assírio & Alvim, 1987, p. XXVIII.

1 comentário:

Cristina Correia disse...

Ao desfolhar o Jornal Público deparei-me com o desaparecimento de um dos grandes intelectuais portugueses da segunda metade do século XX. Poeta, ficiconista, ensaísta, tradutor, artista plástico, sociólogo, estudioso e divulgador das literaturas africanas de expressão portuguesa, ALFREDO MARGARIDO faleceu esta terça-feira em Lisboa. Longe dos focos mediáticos, a sua morte não tem sido muito noticiada, no entanto, a sua morte significa uma grande perda para a cultura, ensino e investigação portuguesas. Com fortes ligações ao surrealismo introduziu o nouveau roman» em Portugal, traduziu obras marcantes à escala mundial, incluindo o Moby Dick de Melville. Investigador da École des Hautes Études, docente na Sorbonne, teve preponderante influência no meu percurso académico. Na minha consciência fica a pesada carga emocional de nos últimos anos não o ter contactado. Com nostalgia, guardo as cartas que me remetia de Paris com conteúdos programáticos para o curso de Sociologia da UAL. Fica a saudade dos finais de tarde à Sexta-feira. Não eram aulas, eram licões de vida... que muitos poucos souberam apreciar, valorizar e interiorizar. Deixo a minha sincera homenagem a quem já partiu mas que jamais esquecerei.«Lúcido, crítico e livre, e por isso mesmo polémico e indisciplinador de consciências» Cristina Correia