segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Herberto, os índios Guaranis, a literatura e o cinema


–Instruções–
(Guaranis)


«Quando está prestes a nascer uma criatura que alegrará
quem ostenta a insígnia da masculinidade,
o emblema da feminilidade,
envia à terra uma palavra-alma para nela encarnar»,
disse o Pai Primeiro
aos pais verdadeiros das palavras-almas dos filhos.
«Então à boa palavra-alma que enviares à terra, para nela encarnar,
dirás:
enfrenta com muita força a morada terrestre;
mesmo que todas as coisas se ergam contra ti,
enfrenta-as com muita força.
Guarda-me no teu coração.
Farei com que a minha palavra circule em ti e te inspire.
Guarda-me no teu coração.
Farei com que os meus inúmeros e secretos filhos excelsos
digam palavras inspiradoras.
No tamanho do coração, no dom de esconjurar os malefícios,
não haverá na terra ninguém como os meus inúmeros e
secretos filhos excelsos.
Então, quando estiveres com muita força na morada terrestre,
inspirado pelas palavras-almas,
nada te alcançará com tanta força na morada terrestre,
nada contra a tua palavra-alma inspirada com muita força.»

Poemas Ameríndios, poemas mudados para português por Herberto Helder, Assírio & Alvim, 1997.


«Birdwatchers, seleccionado para a competição no Festival de Veneza, chama a atenção para a luta dos índios Guarani-Kaiowá do Brasil, cujas terras estão a ser destruídas para a produção de bio-combustíveis para automóveis e outros veículos.»

Herald Tribune

«[...] a questão era “como” fazer o filme, com que linguagem cinematográfica, com que estratagemas. Sabia que o problema principal seria escolher os actores que interpretariam aquelas histórias. Mas que actores profissionais poderiam fazê-lo? Depois encontrei a resposta a esta pergunta numa tarde, durante uma reunião com uma autoridade do governo: aqueles homens e mulheres indígenas que observavam enquanto falavam em voz alta com as autoridades de Brasília possuíam uma arte retórica sofisticada, sabiam falar num modo convincente, com grande controlo das palavras e do corpo. A partir daquele momento tive a certeza absoluta de que o filme existiria apenas se conseguisse tornar aqueles indígenas os seus protagonistas. Sem eles não faria sentido. A fim de confirmar aquela minha primeira intuição pedi a um jovem indígena de nome Osvaldo, da comunidade de Ambrósio, se lhe interessava ser actor num filme. Perguntou-me o que queria dizer ser actor num filme, e eu respondi-lhe que ser actor significava representar uma personagem, que tinha necessidade de aprender a recitar. Ele pensou nisso durante um segundo e respondeu-me “mas eu já recito todos os dias”. “E quando?”, perguntei: “Todos os dias, quando rezo” respondeu. Os seus rituais são representações “teatrais”, manifestações e diálogos com Nhanderu, o seu Deus. Recitar está presente na sua tradição milenar.»
Marco Bechis, realizador de Birdwatchers – A Terra dos Homens Vermelhos (fotos acima), em exibição numa sala perto de si.


Também na Assírio & Alvim: Colecção «Coisas de Índios»

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