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«UN BEL MORIR…»
De pé numa barca parada no meio do rio
cujas águas passam em lento remoinho
de lodos e raízes,
o missionário abençoa a família do cacique.
Os frutos, as jóias de vidro, os animais, a selva,
recebem os breves sinais da bem-aventurança.
Quando descer a mão
terei morrido no meu quarto
cujas janelas vibram à passagem do eléctrico
e o leiteiro virá em vão pelas garrafas vazias.
Para esse momento ficará bem pouco da nossa história,
alguns retratos em desordem,
umas cartas guardadas não sei onde,
o que foi dito naquele dia ao despir-te no campo.
Tudo se irá desvanecendo no esquecimento
e o grito de um macaco,
o fluir esbranquiçado da seiva
pela ferida casca do látex,
o chapinhar das águas contra a quilha em viagem,
serão assunto mais memorável do que os nossos longos abraços.
Álvaro Mutis in «Os Versos do Navegante — antologia poética», selecção e prólogo de Lauren Mendinueta e tradução de Nuno Júdice; ed. Assírio & Alvim, 2013. Fotografia de Daniel Mordzinski.
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