segunda-feira, 9 de julho de 2012

Morreu Gerrit Komrij

Comunicado de imprensa da sua editora neerlandesa — De Bezige Bij


Também em nome da família, a editora neerlandesa De Bezige Bij informa que Gerrit Komrij faleceu ontem à noite, em Amesterdão, após um curto período de hospitalização.

Com ele perdemos um importante poeta, um autor e tradutor multifacetado, um grande estilista, um polemista mordaz e, sobretudo, um amigo querido. Gerrit Komrij foi um inspirador para gerações de poetas, escritores e jovens conquistadores dos céus, e continuará a sê-lo.

Gerrit Komrij (Winterswijk, Países Baixos, 30 de março de 1944) estreou-se em 1968 com o volume de poesia Maagdenburgse halve bollen en andere gedichten (Hemisférios de Magdeburgo e Outros Poemas), que atraiu logo a atenção pela poesia contra a corrente, rimada em formas fixas e um humor absurdista. Komrij manter-se-ia sempre fiel ao ofício de poeta. No total, publicou uma boa dúzia de livros de poesia, reunida em Alle gedichten tot gisteren (Todos os Poemas até Ontem, 2004). Em português, foi publicada a antologia poética Contrabando (Assísiro & Alvim, 2005). Sobre a secretária em Portugal deixou o volume Boemerang (Bumerangue), pronto para uma última revisão. O livro será publicado postumamente, neste outono.

Foi um crítico e colunista ímpar, compilador de antologias ‘definitivas’ de poesia neerlandesa e sul-africana, um tradutor produtivo (da obra dramática de Shakespeare, por exemplo) e autor de teatro, ensaio e romances.

Durante o ano de 1976, Gerrit Komrij foi um crítico impiedoso de televisão para o jornal NRC Handelsblad; as controversas críticas foram reunidas, em 1977, em Horen, zien en zwijgen (Ouvir, ver e calar). Enquanto crítico literário sentia afinidade com o espírito da época, de procura da verdade e sarcasmo. Nas décadas de setenta e oitenta, ganhou sobretudo fama como ensaísta, não se esquivando de qualquer tema que fosse, desde o feminismo à arquitetura. Também aqui, o seu estilo mordaz mostrou-se a sua arma mais importante. Os ensaios foram reunidos em, entre outros títulos, Heremijntijd (Minha Nossa, 1978), Papieren tijgers (Tigres de Papel, 1978), Averechts (Avesso, 1980), Het boze oog (O Mau Olhado, 1983), Humeuren en temperamenten (Humores e Temperamentos, 1989), Met het bloed dat drukinkt heet (Com o Sangue chamado Tinta, 1991), Morgen heten we allemaal Ali (Amanhã, todos nos chamamos Ali, 2010) e Kunstwonderen (Milagres Artificiais, 2011).

Em 1980, publicou o primeiro romance (autobiográfico), Verwoest Arcadië (Arcádia Destruída). Seguiram-se os romances Over de bergen (Atrás dos Montes, 1990; trad. portuguesa ASA, 1997), Dubbelster (Estrela Dupla, 1993), De klopgeest (O Poltergeist, 2001), Hercules (Hércules, 2004) e De loopjongen (O Moço de Recados, 2012).

Extremamente bem conseguidas e influentes foram as suas colossais antologias poéticas, nomeadamente De Nederlandse poëzie van de 19de en 20ste eeuw in duizend en enige gedichten (A Poesia Neerlandesa dos Séculos XIX e XX em mil e um poemas, 1979) e De 21ste eeuw in 185 gedichten (O Século XXI em 185 poemas, 2010). Hilariante é a sua antologia caprichosa Kakafonie. Encyclopedie van de stront (Cacafonia. Enciclopédia da Merda, 2006).

Komrij ganhou muitos prémios, entre os quais o prémio nacional P.C. Hooft 1993 pelos seus ensaios e o Mocho Dourado (Gouden Uil) 1999 pelo volume de ensaios poéticos In Liefde Bloeyende (Florescendo em Amor). Em 2000, foi-lhe concedido o doutoramento honoris causa da Universidade de Leiden.

De 2000 a 2004, foi o primeiro poeta laureado neerlandês, papel que desempenhou com muito brilho.

Gerrit Komrij viveu em Amesterdão até 1984, ano em que se mudou para Portugal, que evocou magistralmente em Een zakenlunch in Sintra (Um Almoço de Negócios em Sintra, ed. portuguesa ASA, 1999), Atrás dos Montes e Vila Pouca (2008), título nomeado para o prémio Gouden Uil 2009.

Durante décadas, Gerrit Komrij conseguiu, com a sua alegria desenfreada e perspicácia, criar movimento na paisagem literária. Ajudou a mudá-la e agora partiu dela. ‘De papel sois e a papel voltareis.’ (De: Da Capo, Morgen heten we allemaal Ali).


TUDO CONTINUA

Aí se erguia uma parede em que toquei.
A parede foi demolida. O entulho
Serviu mais adiante de fundamento.
Uma árvore plantei no meu jardim.

Que foi asfaltado. A cinco metros
De fundo, a raiz contém-se, amuada.
Meio milénio se preciso. Um dia
Chega a Marte a pneumónica porque tossi.

Houve um amigo a quem escrevia,
Uma rocha onde gravei o meu nome.
Somos parte de tudo enquanto vivemos
E tudo continua quando morremos.

(de: Luchtspiegelingen [Miragens], 2001)

Amesterdão, 6 de julho de 2012
Editora De Bezige Bij

Francien Schuursma, Diretora Comunicação e Gestão de Autores
(tradução Arie Pos/Fernando Venâncio)

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