Foi ontem a entrega do Prémio de Literatura Casa da América Latina /Banif 2009 — Tradução Literária, a Helder Moura Pereira, pela sua tradução do livro de Jorge Edwards, O Inútil da Família. Para todos aqueles que não puderam estar presentes, aqui fica a mensagem enviada por Jorge Edwards:
Me siento muy contento y orgulloso de que la traducción al portugués de mi novela El Inútil de la Família, obra del doctor Helder Moura Pereira, haya obtenido el premio de traducción de Casa de América Latina de Lisboa. He sido desde siempre un prosista lector de poetas — latinoamericanos, españoles, ingleses, franceses, portugueses y brasileños —, y he pensado desde mis comienzos que el aire y el ritmo de la poesía son necesarios en la escritura narrativa. Por eso me alegro mucho de que mi traductor sea un poeta, un hombre inscrito en la gran tradición de la poesía de Portugal, y le mando un afectuoso saludo. Además, me parece que dar premios de traducción es una costumbre excelente y que deberíamos imitar. Veo la variada lista de autores traducidos por Helder Moura Pereira: aunque no esté a su altura, me siento en magnífica compañia, en una estupenda familia de inútiles profundamente creadores, desde el Hemingway de mi juventud hasta el Borges de siempre, y desde la conmovedora Sylvia Plath hasta el divino Marqués de Sade, para quien todo era paraíso en este infierno. La noticia me ha dado una gran satisfacción indirecta, puesto que no soy el premiado, y agradezco su trabajo al traductor, el mejor de los intermediarios, el miglior fabro a su manera.
Jorge Edwards
Santiago, Chile, Septiembre de 2009.
E também o estupendo discurso lido por Helder Moura Pereira durante a cerimónia de entrega do prémio:
Em primeiro lugar, gostaria de cumprimentar o júri e agradecer-lhe este prémio. Mas não apenas por razões formais. A verdade é que – e peço desde já desculpa pelo atrevimento – me parece haver todo um conjunto de ousadias que acabam por desembocar nesta decisão e ela, a decisão, será apenas a última etapa desse conjunto.
A coisa começa quando os meus amigos Manuel Rosa e Vasco David’, da Assírio & Alvim, ousaram convidar-me para fazer a tradução deste livro; eles sabem que a minha ligação ao castelhano está, digamos assim, longe de ser próxima. Ao mesmo tempo, o autor, Jorge Edwards, era, e ainda é, praticamente desconhecido em Portugal, bem como o serão, de resto, as literaturas da América latina, tirando os nomes óbvios. E eu, ao aceitar fazê-la, ao corresponder à confiança em mim depositada, não foi sem algum estremecimento que me vi também situado na dúvida e na excitação própria de uma ousadia. Porque, embora tendo traduzido já uma obra semi-académica e escrita em colaboração, de Jorge Luis Borges, e um livro de poemas do espanhol Angel González, parti para esta tradução cheio de dúvidas, mas, simultaneamente, com a convicção de que saberia o suficiente para levar a tarefa a bom porto, ou seja, para respeitar a intenção literária do autor e respeitar a sua língua e a minha língua. Como é isto possível, como foi isto possível, não sei bem. Ou melhor, acho que só pode ter sido pelo contacto silencioso, de leitor, com alguns romances e muita, muita poesia lida no original.
O resto? Bom, o resto é trabalho, dedicação perante um texto com o qual se estabeleceu uma relação de corpo e alma. Porque é disso que se trata. Aderi a este livro de uma maneira tão forte que fiz tudo por ele. Não me gabo disso, afirmo apenas uma crença: deve fazer-se tudo por um livro que se traduz. No fundo, é banal isto de um tradutor investigar, perseguir os sentidos, emendar até chegar à hipótese que faça jus ao texto original, procurar as soluções, ganhar ânimo (ou não…) com as adversidades e os obstáculos. No caso deste texto, e sobretudo dado o perigo da proximidade entre línguas, para lá de falsos amigos que, tal como na vida, parecem uma coisa e são outra, recordo-me de uma personagem de um romance de Jorge Edwards, “La Origen del Mundo”, que ri a pensar que os espanhóis não entenderiam um seu chilenismo. E daí também o desafio de estar atento ao castelhano e… ao «chileno».
A outra parte de tudo isto é, como não pode deixar de ser, a minha língua. Todos os que andam à volta das letras de um modo ou de outro tentam prolongar o respeito pelos nossos antepassados e, até – porque não? – podem pensar na sua tarefa como um dever. Não fujo à regra, claro. E, nos tempos que correm, ainda menos fujo. Porque perante o lixo que enche as livrarias, perante a confrangedora expressão verbal em televisões e jornais, perante a existência de gente com responsabilidades na educação que não sabe falar nem escrever, perante um acordo ortográfico lamentável que só não é totalmente mau porque apela de dentro de si a que lhe desobedeçam, o que espero vir a acontecer, temos todos, os que escrevem, traduzem e lêem literatura, de nos bater, pela defesa da nossa língua. Não tenho jeito para militâncias e, por isso, trabalho o melhor que posso e sei. Se este livro também servir para isso, fico muito contente.
Só mais uma palavra. Este prémio, convém não esquecer, é para um livro escrito por Jorge Edwards. Tiro o meu chapéu a este livro e ao seu autor. E gostava muito que outros livros seus estivessem na minha língua.
Obrigado, uma vez mais.